terça-feira, 2 de agosto de 2011

Um bar, um copo, duas garrafas de vinho


Carla decidiu sair e assim fez. A temperatura não era amena, fazia um calor intolerável. Estava com sede. Toda a água que havia bebido não tinha sido suficiente. Garganta seca como o sertão nordestino. Árida. Era como a terra rachada, ansiosa pela umidade, pela sua salvação. Pela sua estabilidade.

Os paralelepípedos enfileirados formavam as ruas por onde seu All Star preto pisava em passos firmes e tranqüilos. As ruas tinham algumas ladeiras não muito altas, assim como o resto do bairro. As casas eram muito simpáticas. Eram simples e coloridas. Antigas, no melhor sentido da palavra. Andar por ruas como essas seria como entrar em um novo mundo, no qual o romantismo se apossaria da situação e cada olhar corresponderia a um momento único. Há de se entender que o único é de fato único. Mesmo se Carla voltasse à mesma rua e parasse no mesmo local não viveria a mesma situação. Não sentiria o que sentiu naquele momento. A certeza disso é total.

Estava em uma rua mediamente movimentada e ao se encontrar no meio dela parou e lançou um olhar de 360º, proporcionado pelo giro que a jovem deu. Havia pessoas seguindo em sentidos contrários. Não se olhavam. Cada uma estava sozinha na rua. Seguindo seu caminho. Seu próprio caminho. Olhavam fixamente para frente. Era como se estivessem em um campo aberto seguindo o horizonte interminável. Prosseguiam seus passos colocando-se em primazia. Sentiam apenas um vento seco e úmido que tentava sem êxito vencer o calor. Carla também estava assim. Da mesma forma que todos estavam. Porém andava devagar.
Viu dois meninos de rua brincando com brinquedos artesanais feitos de restos de algumas coisas, para não dizer lixo, e chegou à conclusão mental de que tal situação era desumana. Contudo, parou por aí. Toda essa breve análise se deu em uma fração de segundos. Apenas o tempo suficiente para olhar os meninos e voltar a posicionar seu rosto em frente.

Passados poucos minutos chegou a um bar. Um pequeno bar. Boêmio. Nada sofisticado.
Entrou...
"Não adianta nem me abandonar. Porque mistério sempre há de pintar por aí"*
A música era boa. - Ótima. Tais estrofes ficaram em sua mente por muito tempo. Não conseguia mais esquecê-las. Mas também nem queria. Há músicas que foram feitas pela alma de alguns para tocar a nossa. O amarelo das paredes era enigmático...
Sentou-se em uma cadeira de plástico amarela, pediu um vinho barato conhecido e relaxou. Iniciou-se em sua mente um processo de ligação e sistematização de ideias e pensamentos sobre o seu dia. Coisa normal para qualquer ser humano, diga-se de passagem. E depois de pensar em variadas coisas, dois meninos mendigos entraram correndo em sua mente. Sim, aqueles que ela e todos ignoraram. Pensou consigo mesma, novamente, que aquela situação era lamentável. Mas o que ela poderia fazer? Será que era muito cruel por tê-los ignorado? Pior. Será que a desumana era ela? Perguntou-se. Francamente, se importava. Mas não era capaz de fazer algo no momento. E não se sentiu mal por isso. A vida é feita de fases.

A esta altura a garçonete já havia substituído o vinho vazio por outro. Carla já estava na segunda garrafa de vinho e não estava alcoolizada. Também não tinha mais sede. Seu senso de humor apenas levemente acentuado.
Tomou um gole de vinho, olhou em volta e achou graça. Não que estivesse deveras achando algo engraçado, porém, de qualquer maneira, ria. Achou graça do bar em que estava, das paredes amarelas, das pessoas, do vinho barato, do copo de plástico, de si mesma e de seus pensamentos. E ficou assim, rindo. Não estava se importando com nada. Estava imersa em seu sorriso com a cabeça abaixada. Olhava o copo.
Quando levantou a cabeça viu que todos estavam olhando-lhe, mas continuou rindo sem entender bem o que se passava. Carla chegou a conclusão de que o volume da sua risada estava ajustado mais alto do que o comum. A altura de seu sorriso aliada ao fato de a moça estar sozinha chamou a atenção das pessoas.
Ouviu uma voz questionar-lhe:

- Por que está sorrindo?

Carla olhou e respondeu contraditoriamente, de forma bastante profunda, com um leve sorriso no rosto :

- Eu não estou sorrindo.



Imagem: Bar amarelo, por Silvia Falqueto. Link: http://www.flickr.com/photos/silfalqueto/256423465/
*Música: Esotérico. Link:
 http://www.youtube.com/watch?v=SfDQwrDbsq4

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